A Liberdade Em Sua Modalidade (Não) Restritiva

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Logo após ler o livro Idade da Razão (Sartre), o primeiro de uma trilogia, fiquei pensando durante muito tempo sobre o termo liberdade. No auge de diversos movimentos sociais, onde o emprego do termo se encontra em voga, mergulhei em um estado um tanto distante para chegar ao resultado no final do post (opinião que cheguei a ter depois de ler o livro). Dessa vez não há spoiler =D.

Qual seria um sentido radical de liberdade? Fiz essa mesma pergunta ao meu irmão. A resposta que me apresentou, resumidamente, foi: não ser questionado por outra pessoa. Ter uma vida em que as ações praticadas não precisam ser mediadas por alguém ou “alguéns”. Exercer atos onde a presença de terceiros não interfiram na concretização. Mas, voltando a um caráter mais introspectivo, subjetivo em seu contexto moderno, como se deve observar a liberdade com uma lente individual?

Ser livre, em diversos momentos da história, sempre teve a presença de um outro indivíduo (escravidão, relação entre servo e senhor feudal, contrato de vínculo empregatício, entre outros). Ser livre é muito bem entendido como não existir obstáculos apresentados por terceiros para os desejos do ser humano. Não se pode, portanto, falar em liberdade quando há um vínculo de subordinação com alguma religião (cristianismo, islamismo, entre outras) ou  subordinação a valores sociais. Sejam estes impedimentos físicos, sejam estes impedimentos algo bem incorpóreo (exemplo da resposta do meu irmão). Ora, seria então fazer tudo o que a pessoa gostaria de fazer. Claro que essa lente ainda é predominante. Afinal, estamos em um contexto onde deixamos de ser entes muito subjetivos para abraçar o campo intersubjetivo.

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Divergindo da resposta dada no começo deste post, acredito que um sentido radical de liberdade vai mais além, ou diria mais interiorino. A liberdade, em seu sentido mais radical se apresenta como ser livre de si mesmo. É vista como a própria desvinculação de compromissos e responsabilidades consigo. A construção de uma vida feita pelo próprio indivíduo, onde cada detalhe é analisado, nada mais é que se submeter a própria vontade, ou seja, não há uma verdadeira ampla autonomia. Um viver por viver. Uma espécie de autonomia absoluta pode ser percebida no sentido de estar apenas existindo para si e agindo de acordo com a tomada repentina de escolhas.

Essa liberdade que possui uma ligação existencialista profunda com o ser humano, se vê dentro de um paradoxo. Se a liberdade verificada acima, a exemplo de Mathieu¹, pode ser adotada, a própria submissão ao princípio de se seguir esse estilo de vida apresenta-se como uma forma de limitação dela mesma. Desejar uma vida de liberdade, seria o mesmo que perder a liberdade absoluta idealizada. A imagem de tal liberdade não pode ser concretizada devido a sua inviabilidade em razão da contradição própria.

Para Sartre², assim como outros filósofos, ser livre é ter a capacidade de se concretizar no mundo e acolher as responsabilidades derivadas das ações, os resultados provocados. A presença de um Deus, uma hierarquia militar (sobre a banalidade do mal apresentada por Arendt), ou de uma sociedade que indiretamente nos coage, sempre cria um contexto em que procuramos passar certa responsabilidade para terceiro. A capacidade de nos moldar com o passar do tempo e adotarmos a posição de responsáveis pelos atos feitos, diferentemente, aborda melhor a atuação livre do ente humano. Pois, assim há evasão de uma autonomia absoluta e da intervenção de outro ente. No primeiro caso, porque o ser humano é capaz de selecionar suas próprias escolhas que são apresentadas pelo mundo conforme o progresso do tempo (não há uma antecipação de decisões sobre situações ainda inexistentes), assim se fala em uma aceitação de vínculos de responsabilidade para com as decisões. Necessária é a tomada de decisões, pelo fato do ser humano ser capaz de tal coisa, para que não ocorra o paradoxo. Em relação ao segundo, não é possível demonstrar justificações para tomada de ações ou a simples responsabilização de outro. Ao tomar todas as responsabilidades para si ao escolher decisões, a pessoa, e somente a ela, serão garantidos os resultados advindos da liberdade.

A liberdade possui mais um caráter restritivo, não amplo como muitos dizem. Restritivo por estar condicionado às escolhas feitas pelo particular, escolhas que devem ser desvinculadas de relações entre entes religiosos, instituições, entre outros. Está mais por escolhas realizadas pelo próprio indivíduo e que este deve se responsabilizar inteiramente pelo que faz. 

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¹ Personagem do livro que citei logo no começo (Idade da Razão). A história se passa em poucos dias e a própria discussão interna do personagem: em aceitar um estilo de vida que considera como a verdadeira liberdade ou se subordinar as consequências de suas ações, aceitar que existem compromissos com ele mesmo.

² Jean-Paul Sartre foi um filósofo francês representando a ala existencialista. Atuou na Segunda Guerra Mundial. Responsável pela criação de diversas obras, principalmente da trilogia Os Caminhos da Liberdade: Idade da Razão, Sursis e Com a Morte na Alma.

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